Rogério de Carvalho (12/11/1936 – 21/09/2024)
A comunidade da ESTC manifesta o seu profundo pesar pelo falecimento do encenador Rogério de Carvalho, um antigo aluno do então Conservatório Nacional, e que viria a ser professor de Interpretação no Departamento de Teatro, até se jubilar do ensino em 2007.
Nascido em Gabela, Angola, em 1936, Rogério de Carvalho descobre cedo no teatro a vocação da encenação, fixando-se em Portugal em 1954, e a sua carreira expande-se por quase 60 anos de atividade, trabalhando com dezenas de grupos portugueses de teatro, entre profissionais, amadores e universitários, por todo o país, bem como em Angola e Moçambique.
A sua estreia como encenador em teatro profissional ocorre em 1979 no Teatro São Luiz, com a peça de Jaime Salazar Sampaio, Conceição ou um crime perfeito, interpretada por Isabel de Castro e Baptista Fernandes, produzida pelo Teatro Popular – Companhia Nacional.
A procura por um rigor único e implacável na sonoridade da palavra habitada conduziu Rogério de Carvalho a recriar na cena textos das dramaturgias de todas as épocas, incluindo Eugene O'Neill, Jean Genet, Bernard-Marie Koltès, Arthur Schnitzler, Rainer Werner Fassbinder, Harold Pinter, Anton Tchekov, August Strindberg, Heiner Müller, Molière, Shakespeare, Platão, Sófocles, Eurípides, e Howard Barker, dramaturgo contemporâneo cuja obra o cativou em especial, e de quem estreou em Portugal várias peças com diferentes coletivos, nomeadamente com a companhia portuense “As Boas Raparigas vão para o céu, as más para todo o lado”, onde exerceu funções de diretor artístico.
Ávido leitor de filosofia europeia, o luso-africano Rogério de Carvalho encontrou desde cedo na irónica melancolia existencial de Tchekov um universo criativo de eleição a que permaneceu indelevelmente ligado, regressando amiúde à encenação de peças do autor russo, desde o histórico espetáculo As Três Irmãs, com o Grupo de Iniciação Teatral da Trafaria, em 1977, com cenografia de José Manuel Castanheira, primeira de inúmeras criações cénicas desta dupla, desde então até ao tempo presente.
No teatro universitário, dirigiu espetáculos com grupos de Braga e do Porto, destacando-se em particular a atividade com o Teatro dos Estudantes da Universidade de Coimbra (TEUC), para o qual dirigiu: O Sonho, de Strindberg; o Auto da Índia, de Gil Vicente; Platonov, de Tchekov; A mulher canhota, de Peter Handke; e Oresteia, de Ésquilo.
O trabalho com o TEUC ligou Rogério de Carvalho à fundação de A Escola da Noite, companhia com a qual pôs em cena, em 1992, O triunfo do amor, de Marivaux. Em 2004, voltaria a Coimbra para encenar O Cerejal, de Tchekov e no ano anterior, em 2003, dirigira Credores, de Strindberg, para o espetáculo de estreia da Mala Voadora.
Nos anos mais recentes, destaca-se a relação de proximidade que intensificou com a Companhia de Teatro de Almada e também com o Teatro Griot. Foi com o coletivo de Almada que se rendeu a Frei Luís de Sousa, de Almeida Garrett, em 2016, depois de novas revisitações tchekovianas que incluiram a versão de Tio Vânia, de Howard Barker, para além de um conjunto de criações com peças teatrais - Fedra, de Racine; O Pelicano, de Strindberg; Hipólito, de Eurípides; Music-Hall, de Jean-Luc Lagarce - ou adaptações, respectivamente, de narrativa e de argumento cinematográfico - Se isto é um homem, de Primo Levi; e O Medo Devora a Alma, de Rainer Werner Fassbinder.
Este autor alemão é outra das importantes referências na obra cénica de Rogério de Carvalho, por via das várias encenações que realizou de O Paraíso não está à vista, a primeira das quais com o Teatro Maizum, em 1984, em Lisboa, e mais tarde, com o TEAR, no Porto, em 1989, distinguida com o Prémio da Crítica para Melhor Encenação – troféu que já havia recebido em 1980, com uma encenação de Tio Vânia. A Associação Portuguesa de Críticos de Teatro premiou-o em 2012 por encenações realizadas no Porto com textos de Barker (As Boas Raparigas) e Molière (com a companhia Ensemble). Em 2001, foi-lhe atribuído o Prémio Almada, na área do Teatro, do então Instituto Português das Artes do Espectáculo (IPAE), do Ministério da Cultura, pelas encenações das peças: Rostos em ferida, de Howard Barker; Esse tal alguém, de Teresa Rita Lopes; O alfinete do anestesista, de Harold Pinter, e Uriel Acosta, de Karl Ferdinand.
Com o Teatro Griot, encenou um conjunto de espetáculos nos últimos anos, que integrou, em 2012, Faz Escuro nos Olhos, a partir de vários autores (espetáculo distinguido com o Prémio Nacional VIDArte, atribuído pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género e pelas Secretarias de Estado da Cultura e dos Assuntos Parlamentares), seguindo-se, em 2014, As Confissões Verdadeiras de Um Terrorista Albino, de Breyten Breytenbach, bem como a sua segunda encenação de Os Negros, de Jean Genet (2017), no Teatro São Luiz, em Lisboa, onze anos após ter dirigido a peça no Porto, no Teatro Nacional São João.
Licenciado em Economia, Rogério de Carvalho exerceu docência largos anos nesta área, no ensino secundário (dirigindo em paralelo, desde 1968, um grupo de teatro na Escola Secundária Anselmo de Andrade, em Almada, onde põe em cena textos de Sófocles, Peter Weiss, Bertolt Brecht e Samuel Beckett), para depois se dedicar ao ensino do Teatro, no IFICT (Instituto de Formação, Investigação e Comunicação Teatral), em escolas profissionais como a Academia Contemporânea do Espetáculo, no Porto, bem como no ensino superior artístico, na ESTC e na ESMAE. Em Angola, dirigiu e orientou o Núcleo de Teatro da Fundação Sindika Dikolo, em Luanda, destinado à formação de atores e criação teatral, tendo sido agraciado em Angola com o Prémio Nacional de Cultura e Artes, na categoria Teatro, em 2021.
Em julho de 2015, foi homenageado pela Câmara Municipal de Almada (cidade onde residia e onde faleceu) e pela Companhia de Teatro de Almada, no âmbito da 32.ª edição do Festival Internacional de Almada.